sábado, 27 de abril de 2013

Depois de Maio - Crítica



Se na minissérie Carlos o diretor Olivier Assayas aproximou-se de um momento histórico para tecer comentários sobre o outro (no caso o terrorista político Carlos, o Chacal), em Depois de Maio (Après Mai, 2012) ele se insere e se assume nesse contexto de radicalização política – virada dos anos 1970.

São dois registros distintos: o primeiro, um policial; este, intimista, do sujeito enfrentando um contexto. Por serem histórias próximas, é tentador colocar ambos os filmes lado a lado e fazer uma medição de “gosto” ou “não gosto” a partir daí. Cada um faz o que quer, mas me parece que Depois de Maio quer estar mais próximo do registro de Horas de Verão, não de Carlos.

Pois é importante notar que, antes de ser um retrato de uma geração, panorama disso ou daquilo, Depois de Maio é um filme sobre escolhas. Mais: sobre o complicado arranjo da permanência do afeto X quebra dos laços de amizade e amor. Tal equação é atemporal e comum a quem vive a transição dos 17-21 anos. Quando ambientada num momento em que a política é a protagonista, demandando posições definidas, as escolhas e suas consequências ganham pesos maiores.

Assayas demarca com muita firmeza o terreno que une seus personagens. Algumas informações são fornecidas aos poucos: algum lugar perto de Paris, 1971. Primeira cena: o professor cita um filósofo e diz que entre céu e inferno existe a vida. Próxima cena, Gilles panfleta em frente a escola e lembra que a manifestação foi proibida pela polícia. Mais alguns planos, a manifestação acontece. Batalha campal (e desigual), os policiais destroçam os jovens estudantes. Um grupo sai ileso.

A partir de cenas enxutas, diretas e pontuais que Assayas demarca a coesão desse grupo, unidos pelo afeto. O que o filme mostrará no restante do tempo não é o fim do afeto, mas a desintegração dos laços por conta das escolhas. E Assayas trabalha com naturalidade as características individuais de cada um de seus personagens e a inviabilidade de todos estarem juntos.



Tal como em Horas de Verão, o que está em jogo é a transmissão do bastão. Lá do patrimônio da família após a morte da patriarca, aqui do protagonismo político – não à toa, o título do filme faz referência a Maio de 68. Assayas se posiciona como pertencente à geração que recebe o bastão e mostra o que diferentes pessoas fizeram com essa atribuição.

Também como no filme de há quatro anos, o filme não demarca o momento da implosão, da ruptura. O rompimento é diluído em diversas partes, tornando Depois de Maio não uma narrativa de grandes acontecimentos, mas de colocações prosaicas que formam o quebra-cabeça macro.

Por haver um domínio da gramática, cada pequeno aumento da distância dos amigos é demarcado ou pelo fade out (a tela que escurece) ou por uma grua, que parece dizer adeus a personagens, a sentimentos, a fases e a momentos. Mais um exemplar de que Assayas não tem o fetiche da assinatura, respeitando o que a cena pede e o plano que lhe é adequado.

Mas há uma diferença que torna Horas de Verão um filme com mais lastro que Depois de Maio. Naquele, os laços familiares encontraram na questão da herança patrimonial e das peças de museu um poderoso e sutil subtexto sobre o futuro de um país. Neste, há menos fios a serem puxados para compor uma leitura.

*originalmente publicado na Revista Interlúdio em outubro de 2012, durante a Mostra de São Paulo

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